Lendas sobre Buda: “O Buda de Kamakura e a Baleia”

O Buda de bronze de Kamakura, ou Daibutsu, constitui, sem dúvida, uma das mais notáveis vistas do Japão.

Buda de Bronze de Kamakura (Fotos: Aflo Images / SXC Photos)
Buda de bronze de Kamakura (Fotos: Aflo Images / SCX Photos)

Em certa época, no decorrer dos séculos XII à XIV, Kamakura foi a capital do Shogunato no Japão. Era uma grande cidade com quase um milhão de habitantes e a sede dos Xoguns (Shogun) e dos Regentes do Clã Hojo durante o conturbado período que ficou conhecido como “Período Kamakura”, época em que foi estabelecido o primeiro Shogunato no Japão.
Kamakura, em duas ocasiões, foi devastada por fortes desastres naturais, até que finalmente perdeu a sua importância política.
Atualmente, lavouras de arroz e bosques são vistos em lugar da glória de outrora. Mas a tormenta e o fogo deixaram intocados o templo de Hachimam (Deus da Guerra) e a imagem de bronze do grande Buda.
Em certo tempo, a imagem gigantesca de Buda repousava em um templo, mas hoje se ergue acima das árvores, com um sorriso indecifrável em seu enorme rosto, olhos plenos de paz, que jamais se deixou abalar por qualquer tempestade, conforme as duas que destruíram seu templo, mas a grande imagem manteve-se firme e alheia a todas as intempéries do tempo.
As lendas são quase sempre elementares. As Divindades, apesar de toda austeridade, trazem traços humanos.
Podemos observar na seguinte lenda do “Buda de Bronze e a Baleia” um quase patético desejo de velar a grandeza do Buda. O tamanho gigantesco do Daibutsu, com seus quase treze metros de altura e 93 toneladas, não combina com a predileção do povo japonês sobre as pequenas coisas. Há uma intrigante ironia nesta lenda que parece transmitir um desejo de diminuir a grande estátua de Buda, mesmo que seja apenas em duas insignificantes polegadas.

Lenda sobre O Buda de Kamakura e a Baleia
Buda de Kamakura (Foto: Aflo Images)
Buda de Kamakura (Foto: Aflo Images)
O Buda de Bronze sentado tem cinquenta pés de altura e noventa e sete de circunferência, com o cumprimento de seu rosto medindo oito pés e seus polegares com três pés de redondeza. Era assim que os antigos avaliavam a proporção de seu tamanho, anunciando-o como a maior de todas as coisas terrenas.
A enorme estátua causava, naturalmente, uma considerável sensação nos dias em que Kamakura era uma cidade florescente, governada pelo grande General Yoritomo.
As estradas de dentro e fora estavam apinhadas de peregrinos ansiosos por admirar a mais recente maravilha e todos concordavam em que essa estátua de bronze era o que havia de maior no mundo.
Certo dia, porém, quando alguns pescadores conversavam a respeito da grande estátua enquanto lançavam suas redes, uma enorme baleia, que vivia no Mar do Norte, ouviu o que diziam sobre a grandeza da estátua de Buda.
A baleia, que se considerava como a maior do que tudo que existia na terra, não gostou da possibilidade de ter um rival. Achava impossível que homens tão pequeninos tivessem a capacidade de construir algo que pudesse competir com seu enorme tamanho e riu ante o absurdo tagarelado por aqueles pescadores.
Esse riso, porém, não durou muito. A gigantesca baleia era extremamente invejosa e, ao ter a notícia do número de peregrinos que visitavam Kamakura e dos elogios infindáveis feitos por quem havia visto a estátua, ficou furiosa e chicoteou o mar enchendo-o de espuma. Ela bufava com tal força que as outras criaturas das profundezas guardaram dela a maior distância possível.
Sua solidão apenas agravou-lhe a amargura, ficando incapaz de alimentar-se e, consequentemente, emagrecia mais e mais a cada dia.
Até que um dia decidiu tocar no assunto com um gentil tubarão que respondeu as perguntas exasperadas da baleia com serena solicitude. Então, partiu para o Mar do Sul para ver se conseguia tomar as medidas da estátua e levar o resultado para a sua abalada amiga.
E assim encetou viagem até alcançar a praia onde divisou a estátua sobrepairando acima dele, apesar de estar a cerca de meio milha de distância terra adentro.
Como não podia andar em terra, estando prestes a renunciar à missão, o gentil tubarão teve a grande sorte de encontrar um rato que corria entre o junco. Explicou seu intento e pediu a pequena criatura, que ficou muito lisonjeada, para tirar as medidas do Buda de bronze.
O rato entrou no templo em que estava o Grande Buda e, a princípio, ficou tão impressionado com a magnificência da visão que nem sabia como proceder para atender ao pedido do tubarão.
Por fim, decidiu circundar a estátua medindo com seus próprios passos. Depois do longo e exaustivo circuito, constatou que dera exatamente cinco mil passos, para em seguida correr até onde se encontrava o tubarão e comunicar a medida do Grande Buda.
O gentil tubarão agradeceu efusivamente ao rato, retornando ao Mar do Norte para informar a baleia de que era a mais pura verdade o que se dizia a respeito da gigantesca estátua do Buda de Kamakura.
Diante desta notícia, a baleia ficou mais furiosa ainda. E como nos contos de fadas, calçou botas mágicas para poder andar por terra tão bem quanto nadava no mar.
Chegou ao Templo de Kamakura à noite. Percebeu que os sacerdotes haviam ido dormir e encontravam-se em sono profundo. Bateu à porta e ao invés do sussurro de um monge meio adormecido, ouviu o próprio Senhor Buda dizer, com voz que lembrava o som de um grande sino: “Entre!”.
“Não posso porque sou muito grande”, respondeu a baleia, perguntando em seguida: “Você pode vir até aqui me ver?”.
Quando o Buda descobriu quem era a visitante e o que desejava naquelas altas horas da noite, condescendeu em descer do pedestal e sair do templo. De ambas as partes, houve um murmúrio de espanto.
Podemos imaginar a consternação do sumo sacerdote ao ver que a estátua de seu mestre não estava no pedestal. Escutando um barulho estranho fora do templo, saiu para ver o que estava acontecendo.
O sacerdote, muito assustado, foi convidado a participar da conversa e pediram a ele que tomasse as medidas da baleia e da estátua.
Servindo-se de seu rosário, o sacerdote começou a longa medição e, enquanto o processo, as gigantescas figuras aguardavam o resultado de respiração suspensa.
Tomadas as medidas, viu-se que a baleia era duas polegadas mais larga e mais alta que a estátua de Buda.
A baleia retornou ao seu mar mais convencida que nunca, enquanto que a estátua voltou ao seu lugar onde permanece até os dias de hoje, sem se importar com o fato de não ser tão grande como imaginavam.

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